Lucas di Grassi aterrissou no Brasil, no início de uma manhã de agosto, com uma bagagem mais leve —psicologicamente falando. Com 33 anos recém-completados, o piloto brasileiro com mais de uma década de experiência em corridas internacionais finalmente pode se declarar um campeão mundial. Como se não bastasse, o título veio na F-E, campeonato de carros elétricos que ele mesmo ajudou a criar.
Não foi um percurso fácil, longe disso. Nas três temporadas da história da categoria, Di Grassi foi sempre candidato ao título, mas sempre também escapava —para Nelsinho Piquet, no primeiro ano; e para Sebastién Buemi, no seguinte. Duas desclassificações, uma em cada temporada, acabaram minando suas chances.
“Você acaba se colocando uma pressão interna [pra vencer]. No primeiro campeonato, fui desclassificado [na etapa de Berlim], não ganhei o campeonato. Na segunda temporada também fui desclassificado no México, também não ganhei, e aí você pensa: quando é que vai vir? Será que vai vir o campeonato? Será que eu vou ficar dez anos na F-E e não vou ser campeão?”, contou ao “Grid”.
O título veio justamente na temporada em que o piloto e sua equipe, em suas próprias palavras, “menos acreditavam”. Buemi, correndo pela Renault eDams, abriu larga vantagem nas primeiras etapas. O suíço se deu ao luxo de não correr a rodada dupla de Nova York (“o que é problema dele”, disse Di Grassi em entrevista a jornalistas na sede da Audi, em São Paulo) e bateu o carro nos treinos da etapa final, em Montréal.
“Mas eu seria campeão mesmo se meus pontos de Nova York fossem cancelados”, afirmou o brasileiro, que teve que correr com uma fíbula quebrada ao longo do ano, lesão que ganhou jogando futebol em um evento de caridade. Na rodada canadense, o título foi assegurado “com a cabeça”, vencendo a primeira corrida e correndo na ponta dos dedos, na prova final. No total, foram duas vitórias e seis pódios para Di Grassi no Mundial de 2016-17.
VAI-NÃO VAI
O triunfo coroa uma carreira que o próprio piloto resume como uma sucessão de percalços. Lucas di Grassi entrou no radar ao vencer a principal prova do calendário da F-3, o GP de Macau, em 2005. Deixou para trás ninguém menos que Robert Kubica e Sebastian Vettel, que completaram o pódio. Fez quatro anos na GP2, sendo vice-campeão em um deles.
Chegou a piloto de testes da Renault. “Fui piloto reserva do Alonso dois anos. Quando eu fui entrar na F-1, a Renault resolveu sair [da categoria], em 2009. Daí eu fiz o teste na Honda de F-1, ia entrar na Honda, a Honda resolve sair”, relata.
Entrou na F-1, finalmente, em 2010, pela fraquíssima Virgin, estreante. Fez uma única temporada, no fim do grid, que era o máximo que o carro lhe permitia.
Em sua ida às corridas de Endurance, mais uma decepção. “Depois entrei na Peugeot. Estava indo viajar pra Sebring pra fazer minha primeira corrida de LMP1, e a Peugeot saiu [do campeonato].”
Chegou à Audi para fazer apenas uma corrida, em Interlagos, já pelo mundial (WEC). Seu desempenho chamou a atenção em Ingolstadt, e acabou contratado pela marca alemã. Conseguiu três pódios nas 24 Horas de Le Mans, entre os quais um segundo lugar em 2014 —Di Grassi não esconde o sonho de se tornar o primeiro brasileiro campeão da mais famosa prova de longa duração do mundo. Venceu duas outras corridas em 2016.
“Quando a gente começa a melhorar na Audi, começa a vencer no WEC, começa a vencer provas, Le Mans começa a chegar cada vez mais perto, a gente está praticamente pronto pra vencer o WEC, a Audi resolveu sair do WEC”, relata o paulistano, sem esconder uma ponta de decepção.
CRIADOR E CRIATURA
Àquela altura, a tanto a Audi quanto Di Grassi já estavam juntos na F-E, projeto no qual a marca alemã decidiu focar 100% do seu investimento em corridas.
Mas o piloto já estava imerso nos carros elétricos muito antes de o primeiro protótipo ir à pista. O atual CEO e um dos idealizadores da categoria, chancelada pela FIA, é o espanhol Alejandro Agag, ex-chefe de equipe de Di Grassi na GP2. “A gente ficou muito amigos. Fomos sócios de uma equipe de GP3 também, e a gente criou um relacionamento profissional que o levou a me chamar, quando criou a F-E.”
“Fui um dos primeiros contratados da empresa. O Alejandro Agag me falou: preciso de ajuda pra conseguir mecânicos, talvez para conseguir as cidades-sede”, conta o piloto. O empresário o consultou para perguntar, por exemplo, “com quantos cavalos faz o carro etc. Falei: acho que o carro tem que ter pelo menos uns 250 cavalos, não pode pesar mais do que 800 kg. Sentei lá como um conselheiro.”
“É uma felicidade diferente em ver algo no qual eu acreditei dando certo, em paralelo a eu ter sido campeão ou não. Independente do que tivesse acontecido no campeonato, eu já estaria muito orgulhoso de ter acreditado num produto que virou esse sucesso.”
Seguindo as diretrizes da FIA, Di Grassi não participou dos testes dos primeiros protótipos —essa tarefa coube a pilotos que não iriam se inscrever no campeonato. A primeira temporada teve sua abertura em Pequim, em 2014, e não parou desde então.
Ninguém naquela época poderia prever, mas, atualmente, a F-E já tem mais montadoras envolvidas do que a própria F-1, ajudada, também, pelo fato de diversos países europeus sinalizarem mudanças na legislação no intuito de diminuir (ou até banir) a circulação de carros a combustão nas próximas décadas. Além da Audi, que terá uma equipe oficial, Mercedes-Benz e Porsche anunciaram recentemente a entrada na categoria.
A MAIS DIFÍCIL
O plano, segundo o brasileiro, é que as montadoras se concentrem no desenvolvimento de tecnologia que possa ser usada em carros de rua, enquanto outros custos, como com pacote aerodinâmico, sejam controlados.
Para a temporada 5, que deve começar em meados de 2018, um novo carro já vai ser utilizado, com mais potência e baterias mais duráveis —hoje, os pilotos usam dois carros para completar a distância de uma corrida.
“Daqui a um ano a gente já vai estar testando o novo carro. A bateria vai ter o dobro da capacidade mas pesa o mesmo que a atual. O motor vai ter 100 cavalos a mais, já vai pra 400 cavalos, já é um carro totalmente diferente”, afirma Di Grassi.
O brasileiro afirma que, mesmo que não seja o carro mais rápido entre os muitos que já pilotou, a F-E é a categoria mais difícil na qual já correu. “Porque todas as pistas são de rua. A gente chegou em Montréal no sábado e ninguém nunca tinha andado na pista. Nenhum dos 20 pilotos. Você tem uma hora pra conhecer a pista, acertar o setup, acertar o setup e a técnica da classificação, acertar o setup e a técnica da corrida, que tem que mudar o estilo de pilotagem, tudo isso em uma hora.”
“Se hoje você vê as categorias nos autódromos, você erra, você vai lá fora, volta… Na F-E, um erro no treino e acabou o seu final de semana”, completa.
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