Há um ano, enquanto Phelps e Ledecky acumulavam ouros na piscina do Estádio Aquático, ou Andy Murray e Monica Puig jogavam as finais na quadra de Tênis, ou o caríssimo velódromo era finalmente inaugurado, era fácil esquecer que todas aquelas medalhas eram conquistadas sobre as ruínas de um autódromo. O Parque Olímpico da Barra, com todas as suas falhas, era, afinal, o centro do mundo.
Passada a embriaguez dos Jogos do Rio, o Brasil constata que, pasmem, apesar das promessas de nossas ilibadas autoridades políticas, o legado deixado pelo evento não parece, assim, tão pujante.
Em uma reportagem de fôlego, o site americano da ESPN passa a limpo o saldo olímpico deixado para o Rio e o esporte brasileiro: uma cidade e um Estado incapazes ou desinteressados em arcar com os equipamentos deixados para trás —e, pior: um país que, em crise, deixou de investir no esporte, abandonando inclusive muitos de seus medalhistas de 2016.
O terreno onde efetivamente existia o Autódromo Nelson Piquet, o atual Parque Olímpico, dá um bom panorama do atual passivo dos Jogos. Entre as diversas arenas mantidas pelo governo federal, por meio do Ministério do Esporte, por falta de interessados, está o azarado velódromo. Com custo de manutenção alto, que envolve o sistema de ar-condicionado ligado 24 horas por dia, para evitar a deterioração do piso de madeira siberiana, o local sofreu um incêndio no final de julho. Investigações preliminares sugerem que um balão tenha sido a causa do incidente.
No restante da área, como planejado, diversos edifícios estão em fase de desmontagem. A piscina, agora pertencente ao Exército, ainda não foi reinstalada por falta de recursos. O problema é semelhante ao da Arena do Futuro, cuja estrutura seria incorporada a escolas públicas, mas sem previsão de entrega.
Boa parte do terreno deixou de ser propriedade estatal, mas há poucos interessados na iniciativa privada em assumir o local.
Por baixo disso, um autódromo que já foi considerado um dos melhores do mundo. O único, aliás, a ter recebido regularmente três das principais categorias do esporte a motor —F-1, o mundial de motovelocidade e a Cart. Será que não existia nenhum outro lugar no Rio de Janeiro capaz de abrigar a estrutura olímpica?
Em entrevista ao “Grid”, o piloto Alexandre Barros não escondeu a revolta em perder o circuito que contou com sua consultoria para ser reformado. “Em 2002, lembro que caiu muita água, muita chuva, mas a arquibancada estava cheia”, disse. “Foi uma pena o que fizeram [construir o Parque Olímpico por cima da pista]. Um crime. Me dá raiva pensar nisso.”
Como contra-exemplo, o motociclista citou o autódromo de Termas de Río Hondo, na Argentina, construído longe dos centros urbanos, e que tem atraído multidões como sede da MotoGP desde 2014.
Jacarepaguá, por sua vez, sofreu duas mortes: a primeira quando metade de seu traçado foi extirpada para alocar a estrutura do Jogos Pan-Americanos de 2007. Mesmo retalhado, continuava atraindo torcedores em competições nacionais. A desativação completa veio com a promessa de um novo autódromo, a ser construído em Deodoro, na zona Oeste da cidade.
O projeto, olha que surpresa, ainda não saiu do papel. “Da força da grana que ergue e destrói coisas belas”, como canta Caetano, parece hoje uma máxima bastante apropriada também à outra ponta da via Dutra.
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