Alexandre Barros não disputava um campeonato completo desde quando se retirou da MotoGP, ao fim da temporada de 2007. Quase dez anos depois, as circunstâncias conspiraram para que o piloto brasileiro de moto mais bem-sucedido da história voltasse a disputar um título.
“Fazia tempo que eu não sentia aquela satisfação sem compromisso. Sabe quando você é criança e você faz alguma coisa porque você quer fazer? Foi isso o que senti”, explica Barros, que recebeu a reportagem em junho, na oficina de sua equipe da Superbike Brasil. Mas a diversão é só uma parte da história —após quatro etapas, o piloto é líder do campeonato, com vitórias nas últimas duas provas.
Barros, detentor de sete vitórias na principal categoria mundial de motocicletas, corre com equipamento Honda e tem entre os principais adversários seu companheiro, Diego Pierluigi, e a principal estrela da equipe oficial da marca japonesa, Eric Granado.
O piloto de 46 anos conversou sobre seu retorno, os desafios impostos pela idade —incluindo um mau jeito “imbecil” no ombro que o obrigou a fazer infiltrações para correr nas primeiras etapas— e sua carreira internacional. Leia os principais trechos da entrevista.
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Folha – Como foi tomada essa decisão de voltar a correr?
Eu estava parado desde 2007, quando corri o Mundial. Depois disso, só fiz uma corridinha ou outra para promover [o campeonato nacional]. Fiz uma ou duas corridas em 2012, uma em 2013 e 2014 eu fiz uma também. E o ano passado eu fiz uma. Em 2015 eu não fiz nada.
Nos últimos dois anos eu estava parado, parado. Só andava de moto com a garotada, no projeto que tenho [de busca de jovens talentos] com os pequenininhos, que congelamos este ano. Eu me dedicava 70% pra eles e 30% pra mim, porque são crianças, exigem mais atenção, mais cuidado.
Corri a última etapa do Superbike Brasil ano passado por uma questão comercial e a partir daí tudo acabou me levando a participar deste ano completo. Foi uma repercussão muito grande. Eu não esperava. A gente decidiu correr no sábado, a gente não fez nem propaganda. Fiz um segundo lugar e primeiro em outra. Fui segundo na primeira bateria, brigando até o fim, aqui em Interlagos. Foi a última [etapa] do brasileiro.
E essa repercussão te deu a motivação suficiente pra voltar?
Não foi só isso. Eu me senti bem [durante a corrida], não cansei… Eu tinha voltado pra academia na metade do ano, já fazia uns cinco meses que eu estava na academia e isso ajudou, porque eu não estava só parado dez anos fisicamente, como também dez anos mais velho [risos]….
Mas me senti bem, e fazia tempo que eu não sentia aquela satisfação sem compromisso. Sabe quando você é criança e você faz alguma coisa porque você quer fazer? Eu parecia alguma criança quando ganhou alguma coisinha. Fiquei com a sensação de quando eu estava começando, ainda no Brasil. Então é lógico que isso mexeu comigo.
Mas não seria só por isso que eu iria voltar. Tem que ter responsabilidade, tem que ter equipe, aí os patrocinadores conversaram e a Honda abraçou o projeto. Além disso, o campeonato está num momento muito bom, também, crescendo muito no Brasil. Apesar da situação financeira, o momento promocional da categoria é muito bom.
E daqui pra frente? Vai depender da sua readaptação?
A ideia é correr por um ano, de forma pontual. Mas a moto não estava tão competitiva na primeira etapa. Na segunda ela estava boa, mas nem tanto.
A gente está tentando recuperar o tempo perdido nesta temporada. Porque teve material apreendido na receita, tive que comprar tudo de novo, tive que uma perda financeira em cima disso. É um dos problemas que a gente enfrenta muito no Brasil. E todo material que a gente compra no exterior atrasa pra caramba.
Tudo isso atrasou muito o nosso cronograma, a gente só conseguiu andar na moto na sexta-feira antes da [primeira] corrida, e aí apareceu um monte de problema, o que é normal. A ideia era ter testado um mês antes a motocicleta.
Eu também sinto que da primeira pra segunda corrida eu melhorei, estou mais solto. Falta treino, também.
Qual é o impacto da idade quando se está em cima da moto?
Tenho os ombros muito lesionados, já operei os dois. Em fevereiro, inflamei o ombro direito, justo o tendão que eu operei, brincando com crianças. Um movimento bobo, bem imbecil, que senti doer. Aí eu pensei “ah, vou parar uma semaninha e já me recupero”, e nada. Fui andar na moto e senti. Porque quando se está na moto, a dor de tendão tira a sua força, dá como se fosse um choque. Tive que infiltrar. Infiltrei na primeira e na segunda corridas. Não queria, mas eu estava sentindo muito choque, e isso me impedia de andar rápido.
E são muitas lesões antigas, meu corpo não tem mais 20 anos, ele grita [risos].
Como você tomou a decisão de se aposentar da MotoGP, em 2007?
Na verdade a Ducati tinha me prometido uma coisa e fez outra, e isso não se faz. Eles me contrataram para tirar a Ducati de trás do grid e levar lá pra frente, mas quando eu cheguei na frente do [Casey] Stoner em Mugello, tudo mudou.
Eu perguntei umas dez vezes se, caso eu estivesse melhor num dia, eu poderia ganhar da equipe oficial. “Sim, pode”, me respondiam. E eu bati eles na Itália, na casa deles. O que aconteceu a partir dali? Minha moto parou de andar. Muitas vezes eu escondia o jogo pra eles não cortarem tanto a qualidade da moto. Tinha uma opção de renovar para um segundo ano e me disseram que, se fosse pra renovar, ia ter uma cláusula no contrato para que eu não pudesse mais chegar na frente da equipe oficial. Eu falei que não conseguia correr desse jeito, era melhor eles contratarem um piloto mais jovem, que sairia até mais barato.Esse foi um dos motivos que me fez parar.
Não fosse isso, você teria prosseguido por mais temporadas?
Tinha gás pra mais dois três anos? Tinha, com certeza.
Minha ideia era ser campeão de Superbike mundial, quando fui pra lá [um ano antes, em 2006]. E a Ducati me tirou. Ali também armaram comigo, pra me tirar da Superbike. Não estou dizendo que a marca Ducati é culpada por isso. Estou falando é que as pessoas que estavam lá [na equipe] é que fizeram isso. Acho uma excelente marca, não tenho nada contra a história dela, ou o produto. A marca nem sempre foi dessas pessoas.
Você acha que o retorno às pistas, tanto tempo depois, poderia arranhar a sua imagem?
Vamos dizer que, sendo sangue frio e deixando as emoções de lado, eu não deveria ter voltado. Não tenho por que me expor, já fiz a minha história. Estou mais velho. Vou andar pra quê? Vou dar minha cara a tapa a troco de quê? Só se eu estivesse ganhando muito dinheiro, o que não é o caso. Estou fazendo isso pra ajudar o motociclismo nacional. Lógico que tem a minha satisfação pessoal, mas eu até brinco dizendo que é mais complicado retornar [às pistas] do que começar. Fiquei parado dez anos, é muita coisa.
Na época em que começou, você foi o piloto mais jovem a chegar nas 500cc, sem uma estrutura de base como a que existe hoje no Brasil. Como que isso aconteceu?
Meu pai [Antônio] me ajudou muito na época, junto com meu tio Aurélio. Foi graças a eles e às loucuras que eles faziam. Por exemplo, nós treinávamos de madrugada, ele iluminando a pista com o farol da Caravan e eu com a mobilete na frente. Ou acordando às 4h da manhã pra ir pra Interlagos, pra treinar antes de ir pra escola. Era um país que tinha tradição zero de moto. O que tinha era uma banca na Avenida Europa onde a gente comprava a “MotoSprint” que chegava com dois meses de atraso e, pelas fotos, a gente tentava refazer as motos aqui… Olha que absurdo.
O Brasil também era um mercado [de motocicletas] no qual ninguém tinha interesse, ao contrário de hoje. Ser brasileiro, hoje, comercialmente, pra patrocínio, pras equipes te aceitarem, é bom.
Pra você, que pilotou em Jacarepaguá na MotoGP, como foi ver a destruição do autódromo para a construção das arenas olímpicas?
Fui eu que ajudei eles a reativar o circuito, e naquela época era considerado um dos autódromos mais seguros do mundo. Eu que falei “vamos pôr o guard rail pra cá, o muro ali” e tal. Podia-se criticar a infra-estrutura, mas a parte de segurança. Isso em 1994 pra 1995, o autódromo estava abandonado, reativamos, foi mudado um pouco o traçado e eu falei “então tem que colocar isso aqui aqui, tem que trazer a zebra certa, a grama tem que estar plana, tem que ter caixa de brita…”, essas coisas.
Foi uma pena o que fizeram [construir o Parque Olímpico por cima da pista]. Um crime. E cadê a pista que prometeram construir no Rio [em Deodoro]? Acho que nunca mais vai sair. Me dá raiva de pensar nisso.
E foi depois disso que Jacarepaguá se tornou o único autódromo do mundo a receber F-1, Cart e MotoGP.
Sim. E o asfalto era excelente. Demorou pra acertarem, acho que só em 1999, mas depois disso ficou excelente.
Em 2002, lembro que caiu muita água, muita chuva, mas a arquibancada estava cheia. A grande diferença entre o público de carro e de moto é que o público de moto é aventureiro. Faça sol, faça chuva, o cara está lá. E quanto mais longe for, melhor é pra moto, porque o cara quer pegar a moto e viajar, acampar. Se você fizer uma corrida no interior, lota.
No caso da Argentina, em condições econômicas muito mais difíceis que a nossa [do Brasil], o governador construiu do nada um aeroporto, rede hoteleira, fez uma lago artificial, criou um bairro inteiro pra receber um autódromo [em Termas de Río Hondo]. Já fez três provas de MotoGP e ainda renovou pra mais três anos. E é um autódromo de primeiríssima linha, no meio do nada.
A idade mudou a forma como você encara as corridas?
Quando se é jovem, a competição significa muito pra você, é até um objetivo egoísta, provar que é melhor que os outros. Mas depois a gente percebe que tem coisa muito mais importante na vida do que isso. No final, a competição acaba sendo legal para que você consiga superar a si mesmo, dar o melhor de si. Mas eu não entro na corrida pra falar “o importante é competir”. Isso, pra mim, não existe, sempre quero ganhar.
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