No último GP do Canadá, Lewis Hamilton igualou a histórica marca de 65 pole positions de seu ídolo de infância, Ayrton Senna. O inglês comemorou, agradeceu e chorou ao receber um capacete do piloto brasileiro em homenagem ao feito.
Interessante notar que o número nem sequer mais é um recorde. Antes tido como imbatível, foi superado por Michael Schumacher, no GP de San Marino de 2006. Ao fim da carreira, o heptacampeão somava 68 vezes em que largou na primeira posição.
Ainda assim, Senna é a referência quando se fala em treinos de classificação. Pode-se argumentar que Ayrton demorou 75 GPs a menos para chegar ao mesmo número que Schumacher, e só parou de fazer pole positions depois de um acidente fatal.
Mas desconfio que os números não contam toda a história.
Quando Senna estreou na F-1, nos anos 1980, a posição de largada era quase uma formalidade. Os resultados finais da corrida praticamente independiam do grid, exceto em circuitos muito travados, como Mônaco. De resto, dada a facilidade com que eram feitas as ultrapassagens, teria sido até razoável trocar as sessões de qualificação em Silverstone ou Kyalami por um sorteio.
Senna, por sua vez, adotava uma estratégia à época bastante particular nas suas provas. Ele havia percebido que tirava melhor proveito do carro, em relação aos adversários, nas primeiras voltas, quando temperaturas de freios, pneus e óleo estavam longe do ideal. Assim, se largasse na frente, poderia estabelecer uma grande vantagem de início e controlar a liderança. Foi isso o que fez, sempre que possível, pelo resto da carreira.
Quem viu Senna correr, ou que trabalhou com o brasileiro, porém, diz que a motivação do piloto ia muito além. Conseguir a melhor volta em uma sessão era uma obsessão pessoal —mesmo que ninguém ameaçasse chegar perto de sua melhor marca, Ayrton costumava insistir em ir para a pista, se sentisse que poderia melhorar.
“Senna sempre queria ir mais rápido, não necessariamente porque alguém havia batido seu tempo —apenas porque ele queria ir mais rápido sempre que ia para a pista”, disse um dos engenheiros do piloto na McLaren, Tyler Alexander, ao biógrafo Tom Rubython.
Alexander, em seu depoimento, afirmou que a equipe sabia quando Ayrton estava muito motivado para fazer uma volta rápida porque ele pedia para que apertassem ainda mais o cinto de segurança, como se para estar em maior sintonia com o carro.
Em duas horas de corrida, ninguém pilota no limite o tempo todo, mas isso é perfeitamente possível em uma única volta rápida, explicava Senna. Por isso, ele tinha uma relação quase mística com as sessões de classificação.
Às vezes, até literalmente mística: nos treinos para o GP de Mônaco de 1988, Senna declarou que, volta após volta, sentia-se cada vez mais focado, como se estivesse dentro de um túnel, ao longo de toda a pista. Naquele ano, não havia pneus de classificação nem limite máximo de voltas por sessão, de forma que os pilotos podiam dar várias voltas seguidas nos treinos oficiais. De repente, em meio ao quase nirvana que depois relatou, se deu conta do perigo que corria ao perder a noção do seu próprio limite, entrou nos boxes e não voltou à pista. Não era necessário: havia cravado um tempo 1s427 melhor que o segundo colocado, ninguém menos que Alain Prost, com um carro idêntico.
Para muitos, essa foi a melhor volta de classificação já feito pelo brasileiro, talvez só igualada pela que registrou no GP do Japão de 1989. Em Suzuka, sua diferença, foi de 1s730, outra vez para Prost. Foi a maior diferença percentual para o segundo no grid que Senna marcou na F-1.
Para completar a lista de melhores poles, a jornalista alemã Karin Sturm escreve, na biografia que fez sobre o tricampeão, que Ayrton considerava ter superado seus limites nos treinos para o GP de Portugal de 1985 (o mesmo no qual marcaria a primeira vitória), o GP da Itália de 1990, o da Espanha de 1990 (após o acidente gravíssimo de Martin Donnelly), o do Brasil de 1991 e o da Austrália de 1993.
Os portugueses também se lembram das derrapagens controladas no Estoril em 1986. E muita gente de peso, como Helmut Marko, considera inesquecível a penúltima pole da sua vida, no GP do Pacífico de 1994, em Aida. Mas o próprio Senna, na coletiva de imprensa após sair do carro, demonstrou não compartilhar da mesma opinião quanto a última.
Hamilton deve quebrar o recorde de Schumacher ainda em 2017. Mas não será surpresa caso não se emocione tanto quanto o fez em Montreal.
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