Lewis Hamilton foi genial desde o sábado no circuito Gilles Villeneuve. A volta com a qual conquistou sua 65ª pole position, igualando a marca de Ayrton Senna, merecia por si só um prêmio —o inglês encontrou mais de três décimos de segundo em relação à sua tentativa anterior, com o equipamento já próximo de seu máximo potencial de entrega.
Mas as redes sociais foram inundadas por outra imagem: a da entrega de um capacete de Senna, dado de presente pela família do brasileiro. Ao ser advertido pelo âncora oficial de que se tratava de uma peça original, Hamilton desaba, segura o objeto como uma relíquia e cai em lágrimas. Tudo isso sob os aplausos de uma arquibancada lotada e o olhar atento das câmeras.
(Mais tarde, a família Senna desfaria um mal-entendido: o capacete entregue era uma réplica, sim, que será trocada posteriormente por um item original. Enquanto a peça utilizada na cerimônia foi feita com base no modelo de 1987, o presente do inglês será um modelo promocional, que foi usado por Ayrton, mas nunca em corridas.)
O momento, cuidadosamente arquitetado para angariar likes, é a apoteose de uma nova relação da F-1 com o público, estabelecida pelo Liberty Media Group, conglomerado que assumiu a administração da FOM e tirou o controle intelectual do espetáculo das mãos de Bernie Ecclestone no início do ano.
Ecclestone, como se sabe, foi o grande responsável por ver o potencial mercadológico da F-1 e transformar a categoria, até então uma espécie de performance circense, em um bilionário programa televisivo, enchendo os bolsos de pilotos, dos donos de equipe e os seus próprios.
Acontece que a fórmula de Ecclestone envelheceu rapidamente. Para não perder a exclusividade televisiva, a FOM relutou em colocar seu produto nas redes sociais. Os autódromos viravam bunkers inacessíveis para fãs, e não demorou para o público se distanciar dos GPs. O golpe de misericórdia foi a lenta migração das transmissões para o pay-per-view em boa parte dos países.
O grupo Liberty tem tentado reverter essa lógica. Se Bernie se empenhava em promover corridas, seus sucessores entendem que o negócio deles é promover grandes eventos midiáticos, na tradição tipicamente americana do Super Bowl ou das 500 Milhas de Indianápolis. Algo que a F-1 vinha ensaiando em fazer, com modéstia e sem expertise.
Em Montreal, isso se viu de maneira escancarada. Como corrida, não foi das piores: houve ultrapassagens, uma bela corrida de recuperação de Sebastian Vettel e uma performance impressionante das Force India. O grande momento, porém, aconteceu no pódio.
Para fazer a entrevista com os primeiros colocados, nada de ex-pilotos: o escalado foi o ator britânico Patrick Stewart, figura com apelo tanto erudito (ator shakespeariano de renome) quanto popular e juvenil (o professor Xavier de “X-Men”).
Stewart foi de uma desenvoltura surpreendente, impondo um ar empático e descontraído com os pilotos. Superou-se ao conversar com Daniel Ricciardo, uma das figuras mais carismáticas do grid.
O australiano usou a entrevista para realizar sua tradicional comemoração, bebendo champanhe da própria sapatilha. Convidou Stewart a fazer o mesmo, que aceitou, com um desprendimento desconcertante.
“É o meu primeiro pódio!”, justificou o ator. E lá foi ele a enfiar a suada sapatilha alheia na boca, bebendo uma dose generosa de espumante.
O público adorou. Ninguém lembrou da corrida sofrida, mas competente de Ricciardo, que segurou concorrentes em uma pilotagem defensiva por quase meia prova. Aliás, talvez ninguém se lembrasse que haviam visto uma corrida lá em Montreal.
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