Há três anos, notícias que chegavam de Grenoble apanharam o mundo do automobilismo de surpresa: Michael Schumacher havia sofrido um acidente nos alpes franceses, enquanto esquiava com a família. Os boletins médicos confirmavam os piores prognósticos: traumatismo, pressão intracraniana elevada, coma induzido. Hoje já recebendo tratamento em sua casa, a família guarda a sete chaves detalhes do estado de saúde do heptacampeão.
Naquele fim de 2013, as circunstâncias do acidente não estavam claras. O que se podia afirmar com certa firmeza era que Schumacher trilhava um caminho comum a diversos pilotos aposentados.
Pilotos de corrida são seres estranhos, quase sempre apaixonados pelo risco. Mesmo quando deixam as pistas, encontram outras formas de se colocar em situações extremas.
A história está cheia de exemplos. Mike Hawthorn, campeão mundial de 1958, anunciou sua aposentadoria ao final daquele ano, mas morreu logo em janeiro, ao bater o carro em uma estrada inglesa. Há indícios de que estava disputando um racha com o dono de equipe Rob Walker.
Até mesmo o primeiro campeão da F-1, Giuseppe Farina, conhecido pela falta de escrúpulos em pista, morreu ao bater em um poste de telégrafo enquanto dirigia até Reims, para assistir ao GP da França de 1966. Estava correndo em uma região onde era comum a formação de crostas de gelo sobre o asfalto.
Algumas décadas depois, Didier Pironi quase morreu em uma sessão de treinos para o GP da Alemanha de 1982. Nunca mais largaria em um GP, mas isso não o impediu de se lançar como piloto de lanchas offshore, competição então conhecida como um moedor de milionários. Foi no mar que o francês finalmente encontrou a morte, na capotagem de sua embarcação, em 1987.
Seu ex-companheiro de equipe, Gilles Villeneuve, talvez tenha sido o piloto mais associado a situações de risco na história do esporte. É sintomático que, antes de pilotar monopostos, o canadense corria de snowmobile em sua Québec natal. Diversos colegas recordam, no fim de semana de sua própria morte, em um GP da Bélgica,as manobras arriscadas que executava com seu helicóptero particular.
Assim como Schumacher era um exímio esquiador, Ayrton Senna não largava seu jet ski durante as férias em Angra dos Reis —o que lhe valeu alguns pontos na cabeça, depois de uma queda, em 1991. Pilotos que se resignam a atividades mais tranquilas depois de pendurarem o capacete são a exceção. Talvez os exemplos mais extremos sejam Jody Scheckter e Pedro Paulo Diniz, que escolheram viver cada um em sua fazenda.
Schumacher se aposentou, pela primeira vez, ao final de 2006. Dois anos depois, já estava correndo de moto em campeonatos regionais alemães. Não demorou muito para retornar à F-1.
A paixão pelo risco seria uma forma fácil de explicar seu acidente em Méribel, fora das pistas de esqui demarcadas. Ao que tudo indica, porém, não é esse o caso: no dia 8 de janeiro do ano seguinte, o investigador francês responsável pelo inquérito, Patrick Quincy, declarou que a velocidade do alemão na hora do impacto era “condizente com a de um bom esquiador”, e que “sua velocidade não é considerada um elemento importante para a investigação”.
O mais provável, acredita-se hoje, é que a nevasca abaixo do normal naquela temporada tenha deixado as pedras do local mais expostas, ou escondidas por uma fina camada de neve. Pelo que se sabe hoje, o que aconteceu com Schumacher não diz respeito a sua carreira de piloto —apenas a um ser humano que teve muito azar.
Seu acidente é motivo de tristeza, mas a incapacidade de explicá-lo, talvez, seja o que nos deixa mais perplexos, até hoje.
Curta a página do Grid no Facebook