Saída da Malásia deve ser encarada como sinal de exaustão do modelo de negócio da F-1

Por Daniel Médici
A reta principal de Sepang com a icônica cobertura (Wikimedia Commons)
A reta principal de Sepang com a icônica cobertura (Wikimedia Commons)

Foi lá no final de novembro que a Malásia anunciou sua saída do calendário da F-1, a partir de 2018. Faltava pouco para a decisão do campeonato e, por isso, talvez a notícia não tenha tido a atenção que merecia. Mas, pelas circunstâncias e por tudo o que o país representa para a categoria, vale a pena refletir um pouco sobre a decisão.

O GP da Malásia estreou em 1999 e foi simbólico, por muitos motivos. O evento foi um sucesso. O autódromo de Sepang era considerado o mais moderno do mundo à época —era o primeiro projeto que o escritório do arquiteto alemão Hermann Tilke havia erguido a partir do zero. Embora tenha recebido críticas pelo relevo demasiado plano (a piada era que a reta principal poderia ser facilmente convertida para pouso e decolagem para aviões), pilotos e equipes elogiaram as instalações, e a corrida logo se consolidou. Retas largas e enormes se tornaram regra na última década e meia, mas a paisagem era considerada um tanto exótica na virada do século.

Mais do que isso, o GP malaio inaugurou a grande marcha da F-1 para o Oriente. Quase sempre projetados pelo mesmo Tilke, autódromos tão ou mais suntuosos começaram a pipocar do outro lado do Bósforo: Xangai, Bahrein, Istambul etc. O eixo da categoria começou a se deslocar, depois de meio século, do continente europeu para países com menor tradição automobilística —e, na maior parte das vezes, sem um mísero piloto no grid.

Em troca de alguns milhões de dólares, em geral provenientes dos cofres públicos, essas nações conseguiam um naco dos holofotes do mundo em um evento associado a glamour e alta tecnologia —e, de vez em quando até atraíam turistas para rincões negligenciados da Terra.

Alguns problemas começaram a surgir quando países europeus se recusaram a pagar a quantia exigida pelos promotores da categoria (leia-se Bernie Ecclestone), e a F-1 se viu levando sua estrutura caríssima, de centenas de profissionais, para correr em frente a arquibancadas vazias, como na Coreia, ou em países pouco afeitos a conceder facilidades de logística, como a Índia. Muitos desses GPs morreram pelo caminho, deixando para trás imponentes elefantes brancos de concreto e asfalto.

A Malásia era exceção, até pouco tempo atrás. Mas as arquibancadas começaram a se esvaziar por uma série de fatores. Em primeiro lugar, o surgimento de um GP na vizinha Cingapura, em 2008, um produto mais moderno, mais suntuoso e melhor vendido para turistas estrangeiros.

Mais recentemente, pelo contexto adverso do próprio país: a Malásia vive uma crise institucional grande, com protestos em Kuala Lumpur pela destituição do premiê, além de ter tido sua economia afetada pela queda do petróleo no mercado internacional.

Por fim, feitas as contas, e com cadeiras cada vez mais vazias, o governo decidiu não mais compactuar com a fortuna exigida pela FOM para organizar seu GP. Por uma fração do cobrado por Ecclestone, a Dorna realiza uma etapa da MotoGP com muito mais espectadores e dividendos no mesmo circuito de Sepang.

A F-1 fez grandes sacrifícios para ter acesso ao dinheiro asiático —sacrificou boa parte de sua base de fãs no Ocidente, por exemplo. Agora, o modelo de negócios que encheu os bolsos da chefia dá sinais de exaustão. Resta saber se a categoria vai saber se reinventar no futuro próximo.

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