F-1 anuncia retorno a Paul Ricard, o controverso circuito do qual aprendeu a sentir saudades

Por Daniel Médici
O circuito de Paul Ricard; com exceção do S da Verrière e a chicane da reta oposta, o traçado externo é o mesmo utilizado pela F-1 até 1985 (Google Earth)
O circuito de Paul Ricard, na França; com exceção do S da Verrière e a chicane da reta oposta, o traçado externo é o mesmo utilizado pela F-1 até 1985 (Google Earth)

Um antigo sonho dos saudosistas do automobilismo se tornou realidade na última segunda (5), quando foi anunciado não apenas o retorno do GP da França, em 2018, mas que ele será realizado no autódromo de Paul Ricard, que recebeu a prova até 1990.

A ideia era ventilada desde o fim dos anos 1990, quando Bernie Ecclestone comprou as instalações. Nada aconteceu: a corrida permaneceu em Magny-Cours até 2008, quando o interesse francês em declínio e a recusa das autoridades em arcar com as taxas exorbitantes cobradas pela FOM sepultaram a etapa do país que inventou o Grande Prêmio.

Ao voltar para um país europeu, a F-1 quebra, momentaneamente, sua tendência de ir atrás dos bolsos de governos asiáticos para realizar corridas frente a arquibancadas parcamente ocupadas. Mas a primeira visita da categoria a Paul Ricard, em 1971, não mereceu nem de longe o entusiasmo atual.

Na época, o circuito de Le Castellet —como alguns o chamavam, para não fazer publicidade ao magnata das bebidas que gastou os tubos na construção da pista— causou impressão semelhante aos atuais elefantes brancos do Oriente, como Xangai e Nova Déli: foi julgado tão suntuoso quanto anódino.

AR-CONDICIONADO

“De forma até certo ponto previsível”, escreveu o jornalista Mike Doodson sobre o autódromo, “Ricard estava destinado a fracassar em suas tentativas de atrair famílias das praias mediterrâneas próximas para assistir provas de esporte a motor.” Nem no auge das equipes francesas, nem da carreira de Alain Prost, Paul Ricard esteve entre os autódromos com maior público.

“Não obstante”, prossegue Doodson, “três grupos de frequentadores da F-1 aprovaram integralmente o novo circuito. Os mecânicos elogiaram as amplas instalações. Os jornalistas apreciaram a sala de imprensa com ar-condicionado e frente envidraçada. E os pilotos ficaram lisonjeados e satisfeitos ao descobrirem que pelo menos alguém estava seriamente dedicando atenção à tão discutida questão da segurança.”

Um dos jornalistas presentes era o inglês Dennis Jenkinson, um dos mais importantes da história do esporte. Jenkinson, um purista, repudiou o ar-condicionado e a grandiosidade da sala de imprensa, mas gostou de assistir aos primeiros treinos à beira da pista.

Em seu artigo sobre a prova, Jenkinson assinala uma conversa que teve com o piloto de rali Erik Carlsson naquele fim de semana: “E quando todos os circuitos forem como este, você não acha que alguns deles [pilotos] vão achar um pouco tedioso e desejar um pouco de perigo em suas vidas?”, perguntou o sueco.

A previsão de Carlsson talvez tenha se cumprido, de uma maneira torta. Nos anos 70, Paul Ricard era apenas mais um autódromo veloz em meio aos magníficos Osterreichring, Monza e Silverstone antigos. Já para os padrões atuais, ele seria extraordinário: salta aos olhos a reta Mistral do autódromo francês, com seus impressionantes 1,8 km de extensão, seguidos de uma curva rápida —a Signes—, sequência, hoje, sem paralelo no mundo.

Antes considerado moderno e seguro, o autódromo em 1990 contava com algumas bizarrices para a F-1 atual, como um pit lane torto e tumultuado. Em 1986, Elio de Angelis morreu ao bater durante testes coletivos. A culpa não foi do traçado, mas da falta de equipes de socorro na ocasião. Mesmo assim, o traçado foi revisto. A reta, amputada à metade —e perdeu boa parte de seu encanto.

POLÍTICOS E CAMINHONEIROS

Sua saída do calendário, trocado por Magny-Cours, foi um cálculo político. A região deste último era o berço eleitoral do então presidente, François Mitterrand, que era amigo pessoal de Guy Ligier, dono da equipe de mesmo nome, cuja base ficava em Nevers. A ideia era trazer incentivos para o turismo e a indústria nos arredores.

Não deu certo: Magny-Cours era de difícil acesso e, para complicar, uma greve de caminhoneiros parou as estradas francesas em 1991, às vésperas do GP inaugural. O autódromo substituto também falhou em atrair multidões.

Condenado ao ostracismo, Paul Ricard se tornou referência como circuito de testes. Não se sabe qual dos mais de 150 traçados possíveis que a F-1 utilizará em seu retorno à pista mediterrânea, e é improvável que seja o mais desafiador deles (já existe uma chicane como alternativa no meio da Mistral). Mas o retorno ao calendário é um aceno positivo que a categoria faz tanto à sua história quanto a seus fãs.

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