Defensor da privatização, Doria citou autódromo estatal como exemplo para Interlagos

Por Daniel Médici
Primeira volta do GP de Abu Dhabi de 2015
Primeira volta do GP de Abu Dhabi de 2015 (Karim Sahib/AFP)

Não é novidade que João Doria (PSDB) usou a privatização do Autódromo José Carlos Pace como bandeira de campanha para se eleger prefeito de São Paulo —e quer colocar o plano em prática o quanto antes.

Na última quarta-feira (16), ele chegou a citar o circuito de Abu Dhabi como exemplo do que quer para Interlagos. Nada de errado até aí, exceto que a pista em questão não trabalha exatamente com o modelo de gestão que Doria defende.

“O modelo de Interlagos será o mesmo que Abu Dhabi utilizou. Abu Dhabi tem hoje um dos melhores autódromos do mundo, abriga algumas das competições automobilísticas mais importantes do mundo. Funciona 365 dias do ano e tem utilização diária”, disse Doria.

Sem entrar no mérito subjetivo das declarações, o circuito de Yas Marina, localizado na ilha de mesmo nome, era um enorme banco de areia em 2007, quando as obras começaram. O projeto, talvez o mais caro na história do automobilismo, consumiu US$ 1,5 bilhão e o esforço de 15 mil operários para ser inaugurado em 2009, a tempo de fechar a temporada da F-1.

A incorporadora a cargo da obra foi a Aldar Properties, uma das maiores do Oriente Médio, cujo controle acionário se encontrava nas mãos de duas companhias de investimento estatais de Abu Dhabi, a Mubadala e a Abu Dhabi Investment Company. As informações são do jornalista inglês Joe Saward, referência no paddock para questões comerciais da categoria.

No início de 2010, a Aldar, que havia registrado o primeiro balanço trimestral negativo de sua história, negociou com o emirado de Abu Dhabi a venda de alguns de seus ativos. O regime aceitou comprar o autódromo de Yas Marina e outras partes do complexo, como a própria marina, por US$ 2,47 bilhões.

Ao contrário do que Doria prega para o GP Brasil, a etapa de Abu Dhabi tem forte envolvimento estatal. Desde a primeira edição, a principal patrocinadora do evento é a Etihad, companhia aérea pertencente ao emirado.

Atualmente, o site oficial do autódromo lista cinco membros em seu conselho administrativo: dois deles, incluindo o presidente, são nomeados pela Autoridade Executiva de Negócios, uma agência do regime para “aconselhamento estratégico” do príncipe-herdeiro, xeque Mohamed bin Zayed Al Nahyan, herdeiro do monarca de Abu Dhabi, Khalifa bin Zayed Al Nahya.

As nomeações para as outras três cadeiras são feitas pela Autoridade de Turismo e Cultura, pela Mubadala e pela Aldar.

O envolvimento do regime chega a produzir uma situação bizarra: o GP deste ano, que acontece no próximo dia 27, subsidia 45% do preço do ingresso para qualquer autoridade governamental de Abu Dhabi.

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Não se trata de comparar Interlagos com Yas Marina. Erguido acima de 9% das reservas conhecidas de petróleo no mundo, Abu Dhabi tem um sistema de governo e um projeto de nação muito diferentes do Brasil. O Grande Prêmio foi a forma encontrada pela cidade, capital dos Emirados Árabes Unidos, de criar uma marca de alcance mundial e se colocar no mapa dos novos destinos turísticos. Seu autódromo já nasceu com projetos de hotéis e parques temáticos dentro de seus próprios limites. Talvez seja a esse modelo de negócios integrados que Doria tenha tentado se referir.

Se é viável copiar essa estratégia em solo paulistano, é uma questão para especialistas. O autódromo de Abu Dhabi é o centro de uma política de Estado. Interlagos parece estar seguindo pelo caminho contrário.