Não é novidade que João Doria (PSDB) usou a privatização do Autódromo José Carlos Pace como bandeira de campanha para se eleger prefeito de São Paulo —e quer colocar o plano em prática o quanto antes.
Na última quarta-feira (16), ele chegou a citar o circuito de Abu Dhabi como exemplo do que quer para Interlagos. Nada de errado até aí, exceto que a pista em questão não trabalha exatamente com o modelo de gestão que Doria defende.
“O modelo de Interlagos será o mesmo que Abu Dhabi utilizou. Abu Dhabi tem hoje um dos melhores autódromos do mundo, abriga algumas das competições automobilísticas mais importantes do mundo. Funciona 365 dias do ano e tem utilização diária”, disse Doria.
Sem entrar no mérito subjetivo das declarações, o circuito de Yas Marina, localizado na ilha de mesmo nome, era um enorme banco de areia em 2007, quando as obras começaram. O projeto, talvez o mais caro na história do automobilismo, consumiu US$ 1,5 bilhão e o esforço de 15 mil operários para ser inaugurado em 2009, a tempo de fechar a temporada da F-1.
A incorporadora a cargo da obra foi a Aldar Properties, uma das maiores do Oriente Médio, cujo controle acionário se encontrava nas mãos de duas companhias de investimento estatais de Abu Dhabi, a Mubadala e a Abu Dhabi Investment Company. As informações são do jornalista inglês Joe Saward, referência no paddock para questões comerciais da categoria.
No início de 2010, a Aldar, que havia registrado o primeiro balanço trimestral negativo de sua história, negociou com o emirado de Abu Dhabi a venda de alguns de seus ativos. O regime aceitou comprar o autódromo de Yas Marina e outras partes do complexo, como a própria marina, por US$ 2,47 bilhões.
Ao contrário do que Doria prega para o GP Brasil, a etapa de Abu Dhabi tem forte envolvimento estatal. Desde a primeira edição, a principal patrocinadora do evento é a Etihad, companhia aérea pertencente ao emirado.
Atualmente, o site oficial do autódromo lista cinco membros em seu conselho administrativo: dois deles, incluindo o presidente, são nomeados pela Autoridade Executiva de Negócios, uma agência do regime para “aconselhamento estratégico” do príncipe-herdeiro, xeque Mohamed bin Zayed Al Nahyan, herdeiro do monarca de Abu Dhabi, Khalifa bin Zayed Al Nahya.
As nomeações para as outras três cadeiras são feitas pela Autoridade de Turismo e Cultura, pela Mubadala e pela Aldar.
O envolvimento do regime chega a produzir uma situação bizarra: o GP deste ano, que acontece no próximo dia 27, subsidia 45% do preço do ingresso para qualquer autoridade governamental de Abu Dhabi.
Não se trata de comparar Interlagos com Yas Marina. Erguido acima de 9% das reservas conhecidas de petróleo no mundo, Abu Dhabi tem um sistema de governo e um projeto de nação muito diferentes do Brasil. O Grande Prêmio foi a forma encontrada pela cidade, capital dos Emirados Árabes Unidos, de criar uma marca de alcance mundial e se colocar no mapa dos novos destinos turísticos. Seu autódromo já nasceu com projetos de hotéis e parques temáticos dentro de seus próprios limites. Talvez seja a esse modelo de negócios integrados que Doria tenha tentado se referir.
Se é viável copiar essa estratégia em solo paulistano, é uma questão para especialistas. O autódromo de Abu Dhabi é o centro de uma política de Estado. Interlagos parece estar seguindo pelo caminho contrário.