Um dos melhores autódromos do mundo foi a primeira vítima dos Jogos Olímpicos do Rio

Por Daniel Médici
O autódromo de Jacarepaguá em 1996, com o traçado oval recém-construído, preparando-se para receber a etapa inaugural da Cart (Patrícia Santos - 26.fev.1996/Folhapress)
O autódromo de Jacarepaguá em 1996, com o traçado oval recém-construído, às vésperas da etapa inaugural da Cart (Patrícia Santos – 26.fev.1996/Folhapress)

Os Jogos Olímpicos do Rio, cuja cerimônia de abertura acontece nesta sexta (5), já começam melancólicos para os fãs de automobilismo. Ao assistir qualquer competição realizada no Parque Olímpico da Barra, o maior complexo esportivo do evento, vai ser impossível não lembrar do autódromo que foi destroçado e enterrado para que as novas arenas fossem levantadas.

A pista de Jacarepaguá não era qualquer uma. Foi o único autódromo do mundo a receber regularmente etapas da Fórmula 1, Cart (no auge da categoria, logo após a cisão com a Indy) e do mundial de motovelocidade. Seu traçado misto, com uma grande reta oposta que terminava na velocíssima curva Sul, era elogiado com frequência por pilotos de todas as categorias. As arquibancadas lotaram até o último evento da Stock Car, realizado em 2012.

Verdade que a pista já andava meio combalida (e perigosa, diziam alguns) desde a construção de algumas das instalações para o Pan-Americano de 2007, como o Centro Aquático Maria Lenk. O traçado foi completamente descaracterizado, com a amputação de toda a metade norte. A vitória da cidade em realizar a Olimpíada acabou selando o destino da outra parte.

Talvez o mais triste dessa história a sensação de tragédia anunciada. Mais que anunciada, aliás: evitável. Afinal, por que destruir um complexo esportivo para construir outro no lugar? Por que não foi dada preferência aos terrenos ociosos da cidade?

O Parque Olímpico da Barra, às vésperas dos Jogos (Wolfgang Rattay/Reuters)
O Parque Olímpico da Barra, às vésperas dos Jogos (Wolfgang Rattay/Reuters)

Na época, um acordo entre o então prefeito Cesar Maia e as entidades de automobilismo locais chegou a estabelecer que a cidade construiria um novo autódromo em outro local, como reparação. Até a base militar de Deodoro chegou a ser cogitada, mas as promessas só serviram para que jornalistas estrangeiros da mídia especializada fossem feitos de trouxa.

Não muito mais tarde, descobriu-se que o terreno, que já havia sido o maior depósito de munição da América do Sul, continha minas terrestres não detonadas escondidas desde os anos 50. Além disso, seria necessário o corte de uma porção da Mata Atlântica nativa, o que fez o Ministério Público questionar o projeto. Como esperado, o plano naufragou.

Nos Jogos de Inverno de 2014, em Sochi, o complexo olímpico foi projetado de forma a abrigar um circuito entre as arenas. Hoje, o GP da Rússia já se encontra em sua terceira edição. A miopia do planejamento das autoridades brasileiras fez os Jogos do Rio-2016 tomarem o caminho diametralmente oposto. A poucos instantes do acender da pira, resta apenas torcer —e torcer muito, visto que o prognóstico não é animador— para que o autódromo que atraía multidões não se torne, depois de agosto, mais um zoológico de elefantes brancos.