O que a sogra de Ecclestone e Juan Manuel Fangio têm em comum?

Por Daniel Médici
Juan Manuel Fangio, nos anos 50; o pentacampeão seria um refém "vip" da guerrilha cubana (Folhapress)
Juan Manuel Fangio, nos anos 50; o pentacampeão seria um refém “vip” da guerrilha cubana (Folhapress)

A esta altura, já correu o mundo a notícia do sequestro e libertação de Aparecida Schunk, 67, sogra de Bernie Ecclestone, o todo-poderoso cartola da Fórmula 1.

Schunk é mãe de Fabiana Flosi, casada com Ecclestone desde 2012. Felizmente, a ação terminou sem que a vítima saísse ferida. Passado o drama humano, o episódio deve se tornar uma bizarra nota de pé de página na história do automobilismo.

A primazia do sequestro mais famoso do mundo das corridas se mantém, portanto, com o Movimento 26 de Julho, facção cubana que raptou ninguém menos que Juan Manuel Fangio.

A história beira o humor, de tão bem que terminou. Tudo começou em fevereiro de 1958, com uma corrida de esporte-protótipos em Havana, organizada pelo regime do ditador Fulgêncio Batista —àquela altura atormentado por guerrilheiros que clamavam por sua destituição—, preocupado em passar uma boa imagem da ilha para o mundo. No ano anterior, uma prova semelhante nas ruas de Havana havia tido Fangio como vencedor. Já dono de cinco títulos mundiais, o argentino era o piloto mais popular do mundo e seria o grande favorito para a corrida.

Na noite anterior à largada, porém, no hall do hotel Lincoln da capital cubana, Fangio foi interpelado: “Desculpa, Juan, você vai ter que me acompanhar”. O jovem portava um revólver calibre 45. A cena foi testemunhada por outros pilotos que disputariam a prova, como Alejandro de Tomasso e Stirling Moss.

Fangio entrou no Plymouth preto que esperava os sequestradores sem oferecer resistência. No cativeiro, foi recebido com um pedido de desculpas. O objetivo do rapto não era obter resgate, mas desmoralizar o regime de Batista. A dona da casa que recebia os guerrilheiros preparou batatas fritas com ovos ao “convidado”.

O pentacampeão passou 27 horas em poder dos sequestradores e passou por três endereços. Ofereceram-lhe a oportunidade de acompanhar a corrida por rádio, mas o piloto recusou, porque ouvir o ronco dos motores lhe daria vontade de estar na pista (o relato é do jornalista argentino Santiago Senén González). Ficou sabendo, mais tarde, que o evento havia sido encerrado depois de algumas poucas voltas, devido a um acidente que matou seis espectadores.

Temerosos de que o regime de Batista matasse Fangio para culpar a guerrilha, o refém foi devolvido diretamente ao embaixador argentino, Raúl Guevara Lynch (por coincidência, um primo do pai de Che Guevara). Aos jornalistas, o piloto tratou de informar que fora muito bem tratado no cativeiro.

Fangio seria recebido por seus sequestradores novamente em Cuba, já empossados pelo regime de esquerda, em 1981, acompanhados pelo próprio Fidel Castro. Os membros do Movimento 26 de Julho mantiveram intensa correspondência com Fangio até sua morte, em 1995: em telegramas, assinavam “de seus amigos, os sequestradores”.