Poucas vezes foi possível perceber tão bem a face cruel do automobilismo quanto na última volta das 24 Horas de Le Mans, no domingo (18). A Toyota, azarona na corrida de endurance mais importante do ano, acabou fazendo uma prova estarrecedora, mantendo-se na liderança por voltas a fio. Até seis minutos antes de o cronômetro zerar.
Foi quando Kazuki Nakajima viu o carro que compartilhava com Anthony Davidson e Sebastién Buemi perder velocidade. Parou no meio da pista. Quando finalmente voltou a funcionar, não conseguiu receber a bandeira quadriculada no tempo regulamentar, e não foi classificada —a Porsche levou a vitória com Neel Jani, Romain Dumas e Marc Lieb.
Os contornos trágicos são reforçados pelo fato de a marca nunca ter conseguido uma vitória na prova, apesar de competir consecutivamente desde 2012 e investir pesado na vitória.
A Toyota havia iniciado um programa de endurance no final dos anos 1990, culminando em 1999. Naquele ano, os três bólidos japoneses inscritos pareciam imbatíveis, mas caíram, um após o outro, devido a estouros dos pneus. A poucas horas do final, Ukyo Katayama estava a bordo do único Toyota GT-One remanescente na prova, descontando rapidamente a diferença de quase uma volta da líder BMW, mas foi traído novamente pelos compostos. Teve de se contentar com o segundo posto.
No ano seguinte, a empresa decidiu descontinuar seu programa nos protótipos para colocar de pé sua equipe de Fórmula 1. Que jamais venceu um GP até fechar as portas, em 2009.
O choro nos boxes da equipe em Le Mans repercutiram até nos vencedores, que aplaudiram os rivais.
Todos os esportes, penso, têm como componente alguma sensação difusa de injustiça. No futebol, por exemplo, não é incomum um time perder jogando melhor. Às vezes, o gol simplesmente não acontece.
No automobilismo não é diferente, mas a impressão de injustiça é potencializada porque mesmo o melhor piloto, num carro pouco competitivo, dificilmente vai vencer. É o carro, e não o talento de quem o guia, o principal fator a definir o resultado.
Mas não é assim que funciona a vida? Nosso sucesso não está condicionado ao lugar em que nascemos, à educação que recebemos, a dezenas de circunstâncias estabelecidas antes mesmo que possamos ser responsáveis por nossas escolhas? O automobilismo é perigoso, assim como viver pode ser perigoso. É essa capacidade de refletir questões de fundo da própria experiência humana que confere força e popularidade ao esporte a motor. A Toyota que o diga.