Centésima edição das 500 Milhas de Indianápolis convive com fantasma de duas décadas

Por Daniel Médici

Automobilismo; I.R.L; 500.Milhas de Indianápolis: Arie Luyendyk of Scottsdale, Ariz., reacts to the crowd at the Indianapolis Motor Speedway after he turned in the fastest unofficial practice lap during practice Thursday, May 9, 1996. Luyendyk, the 1990 winner, had a lap at 237.774 mph as he prepares for qualifications for the Indianapolis 500. [AP Photo/Tom Strattman]*** NÃO UTILIZAR SEM ANTES CHECAR CRÉDITO E LEGENDA***
Arie Luyendyk em Indy, no ano em que destroçou todos os recordes
As 500 Milhas de Indianápolis chegam à marca impressionante de cem edições neste domingo* (29), e a mítica efeméride já tem uma história digna de registro: o canadense James Hinchcliffe larga na pole position, um ano após, no mesmo circuito, quase ter morrido depois que um braço da suspensão atravessou de ponta a ponta sua perna direita e parte da pelve. O piloto só voltou a competir no início de 2016.

Mesmo assim, há uma certa impressão de que a corrida mais importante do calendário norte-americano, e uma das mais célebres do mundo, chega à marca histórica sabendo que seus melhores tempos já ficaram pra trás. Aliás, literalmente: já se vão 20 anos desde que o recorde de volta no circuito não é batido.

O responsável pela façanha foi o holandês Arie Luyendyk, que registrou a marca de 236.986 milhas por hora (381,392 km/h) no treino classificatório de 1996 —para definir os tempos de largada, as 500 Milhas usam uma sequência de quatro voltas com pista livre, e o resultado é dado em velocidade média de todos os giros em conjunto.

Aquele ano marcava um momento de crise da Indy, que tinha acabado de ser dividida em duas: enquanto as principais equipes e pilotos se mantiveram filiados à CART, o dono do autódromo de Indianápolis, Tony George, criou uma categoria paralela e reteve o nome de Indy, realizando as 500 Milhas dentro de seu próprio certame.

Para piorar, um boicote da CART ao sistema de cotas no grid implantado por George tirou da corrida de 1996 os principais nomes da prova. Subitamente, pilotos cativos das últimas posições, como Davy Jones, estavam brigando por lugares na primeira fila.

Os chassis e motores utilizados eram os mesmos da CART, embora um ano defasados. Mesmo assim, Luyendyk, o único inscrito aquele ano que já havia vencido a prova, voou nos treinos. Com um chassi Reynard da Jonathan Byrd/Treadway Racing, estraçalhou o recorde tanto na classificação quanto nos treinos livres, girando em uma volta assombrosa de 239,260 milhas por hora (385,052 km/h).

O mais bizarro da história é que esses tempos não lhe valeram sequer a pole position: seu carro não passou na vistoria no Pole Day, que definia as primeiras 20 vagas do grid. O carro mais rápido daquele ano, portanto, largaria em 21º.

Largaria, porque o holandês ganhou uma posição de forma trágica: Scott Brayton, o pole position, morreu durante uma sessão de treinos livres, após uma batida provavelmente causada por um pneu furado. Na corrida, Luyendyk até chegou a disputar a liderança, mas envolveu-se em uma batida com Eliseo Salazar.

Por duas décadas, até este ano, nenhuma outra volta em Indianápolis ultrapassou as 230 milhas por hora de velocidade média em uma sessão oficial. A partir de 1997, a Indy Racing League passou a correr com carros próprios, de motor aspirado, mais baratos e muito mais lentos. Naquele ano, Luyendyk, um especialista em Indianápolis, mas que nunca se destacou tanto em outras pistas, foi o vencedor.

A CART vivia seu auge no fim dos anos 1990, mas enfraqueceu-se pela falta de pilotos norte-americanos e por uma tentativa mal sucedida de internacionalização, e foi engolida pela Indy, que também vive um período de descrédito. No fim das contas, a grande vencedora da cisão de 1996 foi a Nascar, que se consolidou como principal competição automobilística norte-americana.

Muito se fala, hoje em dia, em liberar a pressão dos turbos (a Indy não corre mais com motores aspirados) para quebrar o recorde de Luyendyk. Não se sabe, porém, se isso será suficiente para expiar o fantasma de 1996.

*Esta é a centésima edição do evento, mas a 99ª de uma prova de 500 milhas, já que a corrida de 1916 foi realizada com 300 milhas de percurso programadas.