A essa altura, todo mundo já deve ter visto e revisto à exaustão a batida entre os dois pilotos da Mercedes na primeira volta do GP da Espanha do último domingo. Não surpreende: são dois companheiros de equipe da melhor equipe da atualidade, favoritos ao título, que disputaram os últimos dois mundiais entre si, têm suas rusgas e que brigavam pela liderança.
Dias depois, mesmo após os panos quentes jogados pelo time alemão e as declarações forçosamente diplomáticas dos envolvidos, porém, não se parou de discutir de quem teria sido a culpa pelo acidente.
Nem bem os propulsores prateados haviam esfriado e Lewis Hamilton era apontado, num primeiro momento, como responsável. Como pode um tricampeão mundial que perdeu a ponta na largada (e isso deve tê-lo incomodado) arriscar uma manobra naquele lugar onde ninguém ultrapassa ninguém?
O inglês está emocionalmente desequilibrado, disseram. Está mais preocupado em postar fotos no Instagram do que na própria pilotagem, disseram.
Após muitos replays e uma explicação didática do ex-piloto Anthony Davidson na TV inglesa, uma outra versão veio à tona: no afã da partida, Nico Rosberg se confundiu e usou uma configuração de motor incorreta. Seu carro estava 17 km/h mais lento que o outro carro prateado —uma diferença enorme mesmo para um F-1. Hamilton, viu a luz vermelha acesa na traseira do carro à frente, percebeu que ele tinha problemas, arriscou a manobra e foi fechado. Culpa do alemão, disseram.
Nos últimos dez anos, a direção de prova de Charlie Whiting tem tentado sempre buscar culpados para contatos dentro da pista. A categoria, que havia deixado adversários jogarem carros uns sobre os outros para decidir campeonatos ao menos quatro vezes (com uma única punição, e mesmo assim simbólica) até os anos 1990, passou a considerar esse tipo de ocorrência um evento anormal.
Não defendo que os pilotos coloquem em risco a vida uns dos outros em pista, mas ninguém senta num pedaço de metal recheado de gasolina e o acelera a 300 km/h porque se sente mais seguro.
O automobilismo é um fenômeno relativamente perigoso, e toques, batidas e abandonos vão acontecer às vezes quando existe disputa por posição. É o risco que atrai a audiência para o esporte.
Na busca legítima por melhores condições de segurança, a F-1 parece ter privilegiado a assepsia, porém. Ultrapassagens, só em lugares determinados pela zona de DRS —ou, melhor ainda, durante os pit stops.
Talvez essa lógica tenha se entranhado nos espectadores de hoje, ávidos por encontrar culpados. Hamilton e Rosberg são dois pilotos de competição e queriam a liderança. Ambos sabiam que quem fizesse a curva 3 à frente provavelmente estaria no alto do pódio duas horas mais tarde, dada a dificuldade de ultrapassar em Barcelona.
O tricampeão vislumbrou uma oportunidade, Rosberg mudou sua trajetória uma única vez, como manda a ética da pilotagem (e não havia um muro ao lado da pista, como no caso da disputa entre Rubinho e Schumacher, em 2010). Deu errado, mas eles tentaram. Segue a prova.
A direção de prova não puniu ninguém pelo incidente. Dessa vez, tendo a concordar com os comissários.