Enterro de Senna evidenciou status de herói nacional

Por Daniel Médici

Se você tem 30 anos ou mais e é brasileiro, é bastante provável que se lembre de onde estava quando soube da morte de Ayrton Senna. E deve se recordar bem da suntuosidade de seu cortejo fúnebre e funeral, que hoje completa 22 anos.

As honras recebidas foram equivalentes à de um chefe de Estado —carreata, velório aberto ao público, com filas imensas de populares para ver de perto por alguns segundos o caixão. Multidões se amontoavam ao lado das avenidas para ver o caminhão dos bombeiros passar em direção ao cemitério. Segundo a biografia escrita por Ernesto Rodrigues, poucas vezes a rede Globo passou tanto tempo em uma transmissão ao vivo sem colocar no ar um único intervalo comercial.

A comoção que tomou conta do Brasil (e foi compartilhada por pessoas em boa parte do mundo) é indicativa de que, além de um esportista extremamente bem-sucedido, Senna havia se tornado um herói nacional.

Há um consenso de que o piloto brasileiro surgiu num momento em que o Brasil passava por um período de auto-estima incrivelmente baixa. Eram os anos 1980, a inflação galopava, a seleção brasileira não vencia uma Copa do Mundo havia mais de uma década (isso parecia uma eternidade, na época) e a política saía aos trancos e barrancos de uma ditadura militar.

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No meio disso, aparecia um jovem usando um capacete amarelo, verde e azul —que ele havia adotado após um mundial de kart, no qual os competidores foram obrigados a correr com as cores de seus respectivos países— ganhando todos os campeonatos ingleses de base que disputava.

Foi num dos grandes picos de anticlímax da política nacional, 21 de abril de 1985, que Senna venceu sua primeira prova de F-1. No mesmo dia, morria Tancredo Neves em um hospital da capital paulista.

O ato de empunhar a bandeira brasileira a cada vitória também surgiu por acaso. No dia anterior anterior do GP da Detroit de 1986, a seleção brasileira havia sido eliminada pela França de Platini na Copa do Mundo do México. Foi a deixa para os mecânicos da Renault, que fornecia motores à Lotus, alugarem o brasileiro. Após a vitória, ao encontrar um torcedor com a bandeira na beira da pista, a pediu emprestada (nunca a devolveu) para reagir à tiração de sarro de que fora vítima.

A TV brasileira não transmitiu ao vivo a prova. Mas o gesto se repetiu. Vieram campeonatos e, com a sorte de Piquet já em declínio, Senna passou a ser a personificação do Brasil que vencia os gringos mundo afora.

Não impressiona, portanto, que poucas horas depois da batida fatal no GP de San Marino, o sentimento luto tenha se espalhado como um rastilho de pólvora pelo país. E não deixa de ser uma coincidência estranha: logo após sua morte, o plano Real foi implantado, as primeiras eleições nacionais foram realizadas após o impeachment de Collor e o Brasil conquistou sua primeira Copa do Mundo desde 1970.

Os jogadores do tetra comemoraram estendendo, no campo, uma faixa em homenagem a Ayrton.