A Fórmula E, categoria de carros elétricos sancionada pela FIA, correu neste sábado (23) em Paris, nos jardins do Hôtel des Invalides, cujo residente mais famoso é ninguém menos que Napoleão Bonaparte (ok, o corpo dele, mais precisamente).
O lugar não poderia ser mais simbólico. Em 1903, uma das provas mais famosas da história do automobilismo, a malfadada Paris-Madri, largou em outro reduto do orgulho cívico francês: o palácio de Versalhes.
(Deixando um rastro de acidentes para trás, a corrida foi abortada em Bordeaux e sequer chegou a passar por terras espanholas, mas isso não vem ao caso.)
É digno de menção a Fórmula E ter realizado um evento em pleno centro da capital francesa, em sua segunda temporada —na primeira, já havia corrido também em Berlim e Londres.
Comparando com a Fórmula 1, impressiona a escolha das etapas de cada uma: enquanto a F-E corre, em geral, em centros urbanos desenvolvidos de grandes democracias estabelecidas, sua irmã mais velha e mais rica prefere se voltar à Europa rural (em 2014, ressuscitou o GP da Áustria, num dos autódromos mais campestres da atualidade) ou aos dólares de países não muito famosos pelo zelo às liberdades civis —além de China, Bahrein e Rússia, as ruas da capital do Azerbaijão vão receber a F-1 pela primeira vez este ano, em junho, sob o curioso nome de GP da Europa.
A França, lugar onde o primeiro Grande Prêmio da história foi disputado, em 1906, já não abriga mais a F-1 desde 2009. Mas cede a sua capital aos carros elétricos.
É claro que existe um enorme viés propagandístico na atitude dos prefeitos do Velho Mundo ao abrirem suas cidades para uma corrida “verde”, feita com “energia limpa”. A própria Fórmula E se vende, dessa forma, como o futuro do automobilismo. Mas ainda existe um grande caminho a ser traçado até lá.
Em primeiro lugar, existe uma boa razão para a F-E correr em circuitos de rua: os carros são muito, mas muito mais lentos que um GP2. Se dividissem os autódromos com as categorias tradicionais, pareceria um torneio de rolemã.
As baterias não aguentam a distância, já muito curta por si só, de uma corrida inteira —de forma que os pilotos usam dois carros a cada etapa, pulando de um para outro durante o pit stop.
Além disso, os próprios circuitos temporários, em geral, são sequências de esquinas e chicanes que maneira alguma se comparam às melhores pistas do mundo. Apesar de ter pilotos bastante competentes no grid, nem sempre se tem a impressão de que o talento deles está sendo posto à prova.
(Isso não quer dizer que a categoria seja isenta de dificuldade ou perigo. Logo na primeira corrida da história da F-E, em Pequim —outra cidade que está longe de ser associada à democracia, aliás, e uma das mais poluídas do mundo— Nicolas Prost quase mandou Nick Heidfeld para a tumba ao dar uma fechada criminosa no alemão.)
Em tempo: Lucas di Grassi venceu a corrida em Paris e consolidou sua liderança no campeonato. O brasileiro esteve à frente dos testes de desenvolvimento dos monopostos elétricos e pode ser considerado um dos melhores pilotos da categoria. Em 2015, lutou até a última etapa pelo título, que acabou ficando nas mãos do também brasileiro Nelsinho Piquet.