O quão seguro pode ser sentar em um F-1?

Por Daniel Médici
O acidente de Fernando Alonso em Melbourne (Max Blyton/AFP)
O acidente de Fernando Alonso em Melbourne (Max Blyton/AFP)

Era a 17ª volta do GP da Austrália quando a transmissão oficial flagrou o carro de Esteban Gutierrez parado na caixa de brita. A imagem deu lugar a uma tomada aérea em seguida: poucos metros à frente do mexicano estava uma pilha de metal retorcido que um dia havia sido uma McLaren. A seu lado, Fernando Alonso, sentado, se recuperava do susto que havia acabado de passar.

O acidente foi um dos mais impressionantes da F-1 nos últimos anos. O espanhol admitiria mais tarde que calculou mal a distância para a Haas à sua frente, provocando a colisão, a batida no muro lateral e uma capotagem espetacular que ainda foi amortecida pela caixa de brita antes de acabar na grade de proteção.

Apesar da violência estética, o piloto saiu andando. Por precaução, após constatadas microfraturas nas costelas, Alonso foi vetado para o GP do Bahrein deste domingo (3).

É estranho que a exuberância de um acidente, no automobilismo, não tenha lá muita relação com sua gravidade. Tanto é assim que, por muito menos —uma escapada e batida na mureta interna da pista de Barcelona, durante os testes de inverno— Alonso também não pôde disputar o primeiro GP do ano passado, recuperando-se de uma concussão.

Por outro lado, a impressionante decolagem de Mark Webber após um toque em Heikki Kovalainen no GP da Europa de 2011 não afetou seriamente o piloto australiano.

Grave e visualmente impressionante ao mesmo tempo foi a pancada de Robert Kubica em Montreal, em 2007. Levado ao hospital, o polonês não gostou de saber que sua participação na corrida seguinte havia sido vetada pelos médicos —duas etapas mais tarde ele já estava de volta ao cockpit.

Não é à toa, porém, que acidentes em pista matam muito pouco hoje em dia.

O polonês Robert Kubica, no GP do Canadá de 2007 (David BOILY/AFP)
O polonês Robert Kubica, no GP do Canadá de 2007 (David Boily/AFP)

MUDANÇA DE PARADIGMA

A temporada de 1994 foi um marco na segurança da categoria. Naquele ano, dois pilotos —Lehto e Lamy— passaram dias internados, Karl Wendlinger permaneceu semanas em coma, um fiscal de pista teve fratura exposta após ser atropelado por Martin Brundle e o austríaco Roland Ratzemberger morreu praticamente em pleno asfalto de Imola. Mas nada disso teria um impacto tão decisivo na mudança de rumo do esporte quanto a morte de Ayrton Senna, também no circuito italiano, em 1º de maio.

A partir de então, curvas perigosas foram extirpadas dos autódromos, carros foram redesenhados, crash-tests se tornaram mais rigorosos e criou-se a impressão de que seria impossível morrer novamente dentro de um carro de F-1.

Essa impressão foi reforçada pelas inúmeras vezes em que pilotos deram porradas homéricas e saíram andando dos destroços. Na mesma curva de Melbourne em que Alonso bateu, Brundle (ele, outra vez) rachou seu chassi ao meio, em 1996. Em 2001, Montoya e Villeneuve se chocaram, matando um fiscal de pista. Outro bandeirinha havia sido vítima de um acidente múltiplo no GP da Itália de 2000. Mas, dentro dos carros, era raro ver um piloto seriamente ferido.

Houve exceções, claro. A primeira foi Mika Hakkinen, também retirado do carro em coma de um acidente em Adelaide, em 1995. Recuperou-se para ser bicampeão mundial. Quatro anos depois, Schumacher quebrou a tíbia em Silverstone. Luciano Burti nunca mais largou na categoria depois de estampar a barreira de pneus da Blanchimont, em 2001.

E Felipe Massa, claro, foi atingido na viseira por uma peça de metal em 2009, nos treinos para o GP da Hungria. Foi submetido a uma operação de emergência, saiu do hospital na semana seguinte, recuperou-se totalmente e voltou a correr em 2010, mas o prosaico acidente poderia ter lhe custado um olho, ou a vida.

Pancadas muito mais exuberantes costumavam deixar os pilotos ilesos. Lembra de Webber e Alonso? Ambos saíram vivos e conscientes de dois acidentes separados no encharcado GP do Brasil de 2003.

Mais exemplos? Que tal a estampada de Jarno Trulli em Silverstone, 2004? O maior acidente múltiplo da história, na largada do GP da Bélgica de 1998? O strike certeiro de Ralf Schumacher sobre Barrichello, na Austrália, em 2002? Com tudo isso, a sensação de segurança dentro do cockpit aumentou consideravelmente.

Isso só durou, porém, até que um guindaste entrasse em pista para retirar o carro de Adrian Sutil da área de escape em Suzuka, no GP do Japão de 2014. A bandeira amarela local não impediu Jules Bianchi de aquaplanar e ir de encontro ao veículo de apoio. Retirado inconsciente do carro, ele jamais acordaria. Morreu em julho do ano seguinte.

A batalha contra a morte é sempre uma batalha perdida. No caso da F-1, atualmente, até que ela se sai muito bem. Se houver uma fatalidade em pista, é muito provável que ela terá sido resultado não de uma única falha —apenas da infra-estrutura do autódromo, ou de um defeito no carro, ou de uma condição climática adversa—, mas de um conjunto delas em sequência, como um acidente aéreo.

Já é um grande triunfo para um campeonato (e um esporte) em que pilotos morriam como moscas, ou se machucavam seriamente por causa de uma simples saída de pista, ou uma única disputa de posição.

O problema é que, a 300 km/h, nem todas as variáveis estão sob controle, e, em casos extremos, até uma peça de metal solta de um carro à frente é capaz de matar —Felipe Massa que o diga.

Atualização: O post original foi modificado para incluir a ausência de Alonso no GP do Bahrein e detalhes sobre os ferimentos do piloto espanhol.