Antonio Tigre foi assistir a um GP do Brasil da arquibancada pela primeira vez em 1987, quando a prova ainda acontecia em Jacarepaguá. Desde então, ele conta nos dedos de uma mão as vezes em que não esteve no autódromo para ver a corrida.
Ano passado, perguntei para ele, para um caderno especial da Folha, qual tinha sido o momento mais emocionante que ele já tinha vivido em Interlagos. Eis a resposta: “A vitória do Senna em 1991 não tem comparação. Eu estava no setor A [reta dos Boxes] e fazia calor no começo da corrida, apesar de o tempo estar nublado. Em todas as voltas, quando o Ayrton passava, a gente rodava a camisa, e foi assim durante a corrida inteira.”
Tigre não é exceção. Todos os meus entrevistados que estavam no autódromo José Carlos Pace naquele 24 de março de 1991 —há 25 anos, portanto— não hesitaram em dizer que aquela é a memória mais impactante que guardam do local.
Não precisa ser fã incondicional do Ayrton para dar razão a eles. Se a história daquela corrida fosse o roteiro de filme, muitos críticos de cinema diriam que a história era forçada demais para ser crível.
“A vtória dele no Brasil parecia valer mais do que um título”, resumiu Tigre.
Era o oitavo GP do Brasil que Senna disputava, sem vitória nas sete tentativas anteriores. Era um tabu imenso, um ponto fora da curva para o piloto, já bicampeão —a título de comparação, ao chegar a Interlagos aquele ano, o brasileiro já contava três triunfos em Mônaco, três na Alemanha e quatro na Bélgica. O gesto de erguer a bandeira de seu país depois de uma bandeira quadriculada, que havia se tornado sua marca, nunca tinha sido feito em frente à sua própria torcida.
Não havia faltado bolas na trave. Em 88, pole, seu carro quebrou momentos antes da bandeira verde. No ano seguinte, envolveu-se em uma batida na largada. Em 1990, Ayrton corria tranquilo na liderança até que, ao tentar ultrapassar o retardatário Satoru Nakajima, colidiu e quebrou seu bico. Chegou em terceiro.
Em 91, foi pole-position novamente, manteve a liderança na largada e ao longo de toda a prova, embora seguido de perto por Nigel Mansell. Tudo corria bem, até a 50ª volta de 72 no total.
Segundo a reconstituição de Tom Rubython, em sua biografia sobre o piloto, foi então que a McLaren número 1 perdeu a quarta marcha, forçando Ayrton a pular da terceira direto para a quinta. Logo outras marchas também passaram a falhar, e o brasileiro se viu obrigado a manter a mão direita na alavanca do câmbio (a McLaren ainda tinha um câmbio convencional, com alavanca e pedal de embreagem) o tempo todo, enquanto segurava o volante com a esquerda.
Mansell se aproximava, mas na volta 60 foi a vez sua Williams, com um revolucionário câmbio semi-automático, quebrar. Rodou no S do Senna. Andou mais alguns metros e abandonou.
A sete voltas da bandeirada, Senna se viu com apenas a sexta marcha funcionando. Riccardo Patrese, o companheiro de Mansell começou a descontar a vantagem de quase uma volta. A apreensão tomou conta do autódromo.
No setor A, ninguém entendia nada. “A gente via o Patrese, que estava quase uma volta atrás, se aproximando muito do Senna, ninguém na arquibancada sabia do problema de câmbio”, relembra Tigre.
Nem nas arquibancadas, nem quem via pela TV. Foram poucos os comentaristas no mundo que repararam que Senna, a essa altura, não tirava mais a mão do volante para mudar a marcha. E ninguém sabia que o esforço das voltas anteriores estava causando dores terríveis nas costas e nos ombros de Ayrton. Mas ele continuava na pista.
Como se não bastasse, uma chuva fina começou a cair no circuito. O asfalto ficou mais liso. Qualquer erro em uma curva e o carro e seria fim de prova —e o tabu se manteria.
O motor Honda finalmente morreu na reta Oposta —mas só depois da bandeira quadriculada. Senna já tinha vencido. As arquibancadas estavam em festa. O setor A inteiro pulava. Só o próprio Senna se mexia pouco. Com os músculos das costas e dos pescoço contraídos pelas dores, precisou de ajuda para sair do carro. Nada mais cinematográfico.
Às vezes, o roteirista do automobilismo força um pouco a mão, mesmo.