Fórmula Sábado

Por Daniel Médici
Apresentação de grid nos anos 90, década em que a posição de largada deixou de ser mero detalhe (FOM/Reprodução)
Apresentação de grid nos anos 90, década em que a posição de largada deixou de ser mero detalhe (FOM/Reprodução)

Na madrugada desta sexta para sábado, a Fórmula 1 testa em Melbourne um dos mais originais (ou confusos, se preferir) sistemas de classificação que a categoria já inventou para definir o grid de largada.

Em resumo: ainda dividido em três etapas, os competidores com o pior tempo de cada segmento começam a ser eliminados, um a um, a cada 90 segundos, a partir de um determinado momento. No fim do Q3, sobram dois carros, que decidem numa espécie de “um contra um” a pole position.

A partir de agora, o mínimo erro pontual, como uma derrapada ou o azar de encontrar tráfego pelo caminho, é passível de jogar qualquer favorito para o meio do pelotão. Muito se fala em deixar o treino oficial mais atraente ao espectador, mas o efeito principal pode ser outro: favorecer corridas mais caóticas no domingo.

Pode parecer estranho, mas a preocupação com a posição do grid de largada, exceto em circuitos muito travados, como Mônaco, é coisa recente.

(Reforço aqui a exceção: o GP de Mônaco é conhecido pela dificuldade de se ultrapassar desde os anos 1930, pelo menos, época em que a pressão aerodinâmica de um carro de corrida tendia à irrelevância.)

A posição de largada em um GP costumava ser, até meados dos anos 80, um número em grande medida simbólico —pilotos ultrapassavam-se uns aos outros, eram jogados para o fim do pelotão após as mais breves visitas aos gramados ou caixas de brita que delimitavam a pista, motores explodiam, suspensões entortavam, havia um sem-número de variáveis em ação durante as duas horas ou mais que separavam largada ou chegada. A posição inicial era um indício das capacidades de cada conjunto carro-piloto, mas poucas vezes determinante para o resultado final.

Uma prova disso é o GP de Masaryk de 1937, disputado em Brno, na Tchecoslováquia: em vez de usar os tempos dos treinos para determinar as posições do grid, os organizadores decidiram simplesmente lotear as posições entre Mercedes, Auto Union e Alfa Romeo e deixar que cada uma das equipes decidisse onde alocar seus pilotos. O vencedor foi Rudolph Caracciola, que partiu da última fila.

A primeira mudança realmente verdadeiramente radical nas classificações da F-1 foi feita em 2003, quando uma sessão de uma hora foi substituída por uma única volta lançada de cada piloto por vez.

A solução extrema era uma resposta à impressão generalizada do público de que a categoria havia se transformado, em algum momento dos anos 90, em uma “Fórmula Sábado”, na qual o resultado da corrida era uma mera consequência do que havia acontecido no dia anterior.

Além de profundamente injusto (se uma chuva começasse no meio da sessão, os últimos a entrar em pista estariam condenados a largar do fundo), e apesar de algumas atuações supreendentes do então jovem Mark Webber, na agonizante Jaguar, o problema não foi resolvido. O sistema de volta lançada mal durou três temporadas.

Também em 2003, foi extirpada a sessão de warm-up nas manhãs de domingo, para nunca mais voltar, e instalou-se um regime de parque fechado para que os mecânicos não mexessem no equipamento até o domingo —e talvez esse tenha sido o grande erro. Com o acerto dos carros congelados de um dia para o outro, os desempenhos de cada conjunto também tendiam a variar menos. E as trocas de posição continuaram a ocorrer, em sua imensa maioria, nas paradas nos boxes.

Por isso, em que pese a chiadeira dos pilotos, não sou contra o sistema que estreia nesta temporada, a principio. Além de permitir que carros mais rápidos larguem atrás de outros mais lentos, ele ao mesmo tempo não parece ser injusto —ou não tanto como inverter o grid ou decidir no palitinho: o piloto não pode culpar o azar se errou em uma curva e foi eliminado por isso. E a chance de pegar um retardatário no meio de uma volta rápida é, em teoria, a mesma para todos.

Quem sabe, ao mirar no sábado, a categoria não acerte em cheio nos problemas que enfrenta aos domingos. O treino oficial para o GP da Austrália começa às 3h, no horário de Brasília.

A corrida tem a largada marcada para as 2h da madrugada de domingo.